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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Paradise Lost – A Trilogia De Documentários Que Salvaram Vidas


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Legenda da Parte 1 e 2: Legendas.tv                                    
Documentário é um gênero cinematográfico cujo cerne é a exploração da realidade. O que não quer dizer que este tipo de mídia não tenha obras ficcionais. Nada muito diferente dos outros gêneros, apenas que quando retratam a realidade, normalmente o fazem de uma forma jornalística, muitas vezes didática, podendo ainda abordar o tema central de forma retórica e dialética. Em resumo, o objetivo principal de um documentário é informar e discutir o assunto do qual pretende transmitir, analisando mais de um aspecto relativo ao fato em questão.
Assim, é mais do que normal que um documentário possa influenciar a opinião pública através da forma como se propõe a tratar sobre o tema escolhido. Naturalmente, isso aconteceu com a trilogia de documentários da HBO, Paradise Lost, produzidos e dirigidos por Joe Berlinger e Bruce Sinofsky.
Em Paradise Lost: The Child Murders at Robin Hood Hills (1996), o primeiro da trilogia, o objetivo era cobrir o julgamento de 3 jovens: Damien Echols, na época com 18 anos, Jason Baldwin, 16 anos, e Jessie Misskelley Jr., 17 anos.
Estavam sendo acusados pelo brutal assassinato de Stevie Branch, Michael Moore e Christopher Byers, 3 garotos de apenas 8 anos cada, em West Memphis, uma pequena cidade no Estado do Arkansas. Os investigadores concluíram que as crianças foram mortas em algum tipo de ritual satânico empreendido pelos adolescentes. O fato dos acusados terem um perfil de rebeldia, vestirem-se de preto, gostarem de Heavy Metal e bandas como Metallica, isso tudo numa cidade onde a religiosidade é aflorada, não ser “um bom cristão” é sinal suficiente para a culpabilidade.
Berlinger e Sinofsky já haviam trabalhado com algo parecido antes.Em 1992, os dois dirigiram o documentário Brother´s Keeper que detalhava o julgamento de um assassino. Porém, o criminoso, apesar do que havia feito, era defendido pelos moradores locais. Na verdade, o que os dois encontraram em West Memphis foi uma verdadeira “Caça às Bruxas” e um clima de ânimos totalmente diverso.
Os dois diretores acreditavam que fariam um filme sobre três jovens culpados. A pergunta principal era: “como poderia esses adolescentes serem tão podres e capazes de fazer algo tão horrível?” A mídia local estava tão parcial e apontando os 3 como culpados que não havia dúvidas que seria um caso facilmente encerrado. Todavia, no decorrer das filmagens, ao tomarem o primeiro contato com os acusados e com uma análise mais fria das provas, a visão deles começou a mudar. Algo estava errado.
Tanto que no início notamos um documentário imparcial, ouvindo as versões dos dois lados, dando-se espaço às famílias das vítimas, bem como dos réus. Porém, os indícios de uma confissão forçada de Jessie Misskelley, a ausência de provas consistentes que incriminassem os jovens, a não ser o fato de estarem sendo acusados implacavelmente, perseguidos pelos gostos musicais e por vestirem-se de preto, começa a levar os documentaristas para um outro rumo. O filme passa para uma parcialidade onde nota-se a tentativa de mostrar que os réus não são os monstros que a mídia e a população local estavam pintando.
Surgem também suspeitas sobre o padrasto da vítima Cristopher Byers, John Mark Byers. Um homem enorme, religioso ao extremo que durante as filmagens está sempre atuando como um pai amoroso mas vingativo. Ocorre que Byers dá como lembrança para os dois produtores do documentário uma pequena faca de caça que é entregue à polícia. Uma análise aponta resquícios de sangue humano no instrumento, compatível com o tipo sanguíneo de seu enteado, mas também com o do próprio Mark Byers. Todavia, a amostra é imprestável para um exame de DNA.
Apesar de tudo isso, Jessie Misskelley e Jason Baldwin são condenados à prisão perpétua, e Damien Echols é sentenciado à Pena de Morte. Paradise Lost, vai ao ar, mas não consegue evitar a condenação dos jovens. Mas serviu para abrir uma grande dúvida nos Estados Unidos a respeito da culpabilidade dos condenados.
Depois que Paradise Lost: The Child Murders at Robin Hood Hills é transmitido pela HBO, começa a surgir pessoas que não acreditam na culpa dos jovens. Essas pessoas se unem e fundam um grupo de apoio aos condenados, chamado “Exonerate the West Memphis 3 Support Fund” (Fundo de Suporte para Exoneração dos 3 de West Memphis), que vai angariar doações para ajudar no pagamento de novos advogados e de criminalistas forenses capazes de analisarem melhor as evidências em busca de provas que possam, pelo menos, atestar que Echols, Baldwin e Misskelley são inocentes, ainda que não consigam descobrir o verdadeiro assassino.
Este é o tema do segundo documentário, Paradise Lost 2: Revelations (2000). Lançado quatro anos após o primeiro, a obra vem para apresentar novas provas que passaram despercebidas anteriormente e levantar mais desconfiança sobre Mark Byers. Dessa vez o padrasto de Cristopher Byers é fortemente apontado como o assassino das crianças, e as suspeitas aumentam após a morte sem explicações de Melissa Byers, sua esposa e mãe da vítima. Com a ajuda de um criminalista forense, se descobre marcas de mordida na face de Cristopher Byers, e incrivelmente seu padrasto extraíra todos os dentes pouco tempo antes dessa descoberta. Porém, nada tem consistência suficiente que possa incriminar Byers.
Berlinger e Sinofsky, mantêm o documentário firme, como o único bastião de defesa na mídia para os 3 jovens de West Memphis. Acompanham seus recursos de apelação, apresentam o grupo “Exonerate The WM3 Support Fund” e o trabalho que desenvolvem na ajuda dos acusados e, finalmente, deixam cada vez mais claro a injustiça da condenação e as falhas no Sistema Judiciário Americano. Mesmo com tudo isso, todos os recursos de apelação são indeferidos, os jovens continuam cumprindo suas penas e Echols aguardando o dia de sua morte.
Os documentaristas continuaram acompanhando os 3 condenados. Agora, depois do segundo filme, a nação americana dava amplas demonstrações de apoio a Echols, Baldwin e Misskelley. Artistas de renome, como o ator Johnny Depp, o vocalista da banda Pearl Jam, Eddie Vedder, entre outros, começam a dar declarações em favor dos jovens; o fundo de ajuda do grupo “Exonerate WM3” obtém mais e mais doações que vão ajudar na análise de novas provas.
Paradise Lost 3: Purgatory (2011), na medida em que era produzido, era idealizado como a ferramenta definitiva que iria conseguir colocar os jovens em liberdade. Este terceiro documentário traz reviravoltas impressionantes, como o fato de familiares das vítimas se declarando favoráveis a um novo julgamento dos condenados por acreditarem que possam ser inocentes. John Mark Byers, o padrasto de Cristopher Byers, implacável perseguidor e maior incentivador da condenação dos 3 de West Memphis, por incrível que possa parecer, se torna um defensor dos jovens, pedindo pela libertação dos mesmos. Tudo isso devido ao surgimento de uma prova irrefutável de que os apenados são inocentes: é encontrado fio de cabelo num dos cadarços utilizados para amarrar as vítimas. Exames de DNA executados na nova evidência demonstram que o fio de cabelo não é de nenhum dos 3 condenados. Ao invés disso, vemos agora um novo parente das vítimas implicado nos assassinatos.
O exame de DNA aponta que o fio de cabelo encontrado é do padrasto da vítima Stevie Branch, o Senhor Terry Hobbs. Os álibis apresentados por ele não se encaixam, pouco tempo depois dos assassinatos ele se separa de sua esposa e mãe da vítima, Pam Hobbs, com acusações de espancamento e testemunhas afirmam que o viram com as crianças no dia em que foram mortas.
Estas evidências somadas a pressão popular em favor da libertação dos apenados, agora homens com mais de 30 anos e a 18 cumprindo pena, forçam a Suprema Corte Americana a reconhecerem o direito de um novo julgamento.
Porém, em Agosto de 2011, numa manobra dos procuradores do Estado de Arkansas, é feita uma proposta de acordo na qual os condenados, mesmo afirmando inocência, se assumem culpados pelos crimes, e o Estado os concede uma diminuição de pena que compreende os 18 anos já cumpridos. Os 3 de West Memphis finalmente estão LIVRES, e Damien Echols com a vida salva pois se livrou da Pena de Morte.
A trilogia de documentários Paradise Lost, apesar de não ter se iniciado com este objetivo, conseguiu no decorrer de quase 2 décadas levantar o questionamento sobre a Justiça Americana e a Pena de Morte. Ficou clara a possibilidade de condenações capitais injustas em que inocentes podem ser condenados por crimes que nunca praticaram. O desfecho do caso dos 3 de West Memphis é um atestado da covardia e incompetência do Estado do Arkansas. Aquela altura dos fatos, talvez fosse mais difícil para o Estado reconhecer que errou. Na verdade, apesar de se declararem culpados, os 3 são libertados, numa prova cabal da inocência incontroversa deles. Talvez, a maior vantagem, mesmo continuando com a folha corrida suja, seja a liberdade e a vida.
A qualidade dos documentários é indiscutível. Todos eles têm como característica a ausência de narração. Tudo é contado através de depoimentos das pessoas envolvidas e trechos de reportagens jornalísticas. Notamos que Berlinger e Sinofsky são muito intuitivos em determinados momentos, e a maior afirmação disso é o fato deles terem sido os primeiros a acreditarem na inocência dos 3 de West Memphis depois dos familiares. Inclusive as tomadas de câmera são tão naturais que em alguns momentos nem parecem que estejam presentes gravando as cenas.
A notável parcialidade dos filmes não afasta o contraditório, ou a dialética. Todas as partes envolvidas são ouvidas e é dado espaço suficiente para cada um se expressar, ainda que sempre se direcione para proteção dos condenados. Percebemos isso quando vemos familiares das vítimas dando depoimentos cegos e vingativos, de justiça implacável, Fúria Divina, fazendo transparecer mais negatividade deles do que dos próprios acusados.
Paradise Lost: The Child Murders at Robin Hood Hills foi premiado com o Emmy em 1997. Destaque-se também o fato de que foi o primeiro filme que a banda Metallica cedeu o direito de utilização de suas músicas, o que continuou nos outros documentários. O terceiro documentário, Paradise Lost 3: Purgatory, é de longe o melhor produzido. Além deste fazer um apanhado geral do que aconteceu nos 18 anos que se passaram desde a condenação, permitindo que qualquer um possa entender todo o caso assistindo apenas o último, é o mais impressionante por mostrar o amadurecimento dos 3 de West Memphis e mais forte que os 2 anteriores em apresentar provas da inocência deles, junto com as demonstrações de apoio da população.
A indicação ao Oscar de 2012 era natural. No entanto foi uma surpresa que o documentário tenha perdido. Isso talvez tenha acontecido por ser uma obra ácida, amplamente crítica do Sistema Judiciário Americano, bem como do fanatismo religioso, capaz de condenar, não pelas provas, mas pelo preconceito. Some-se o fato de que há ainda familiares das vítimas e pequena parte da população que não concordam com a libertação dos condenados.
Mas nada disso importa. Acredito que o prêmio maior para os documentaristas foi verem a liberdade conquistada pelos 3 de West Memphis e estarem presentes no dia em que aqueles jovens garotos, agora homens feitos pelo sofrimento, caminharam livres sob o sol, como resultado dos filmes que produziram.
A trilogia Paradise Lost é mais que documentários, são obras históricas e exemplo do poder que possui este gênero cinematográfico em informar e influenciar a opinião pública.
http://cinemasmorra.com.br

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